domingo, 18 de novembro de 2007

Quando o mar insiste em ser sentimento





30 meninos e meninas frequëntam a escolinha que tem, inclusive, reforço escolar
Imagens
Quem vê a alegria à beira da praia não esquece a condição precária da comunidade
Aos poucos o ´Fera´ foi conquistando a confiança da comunidade
As aulas são de segunda à sábado, quem vai de manhã freqüenta a escola à tarde
Alunos treinam o "Katá": movimentos feitos na prancha reproduzidos na areia
No final da tarde o Titanzinho se apinha de crianças, jovens e adultos carregando pranchas feitas de resina e compradas com suor de longas horas fazendo bicos. Os trabalhos que fazem nada tem a ver com o que estão prontos para executar dentro do mar. É só chegar um novo swell que a moçada do bairro Vicente Pizón, diga-se que a maioria deles descendentes de pescadores expulsos da Praia Mansa por tratores Titan, desvia caminho por baixo de ondas que quebram na areia. O destino certo que tantas crianças seguem neste bairro é o de pegar uma onda atrás da outra até um campeonato internacional de surfe.

Para quem já sabe raspar a parafina da prancha não é mistério falar que André Silva, Martins Bernardo, Argelino Santos, Tita Tavares e Pablo Paulino saíram da Praia do Titan para brilharam na categoria de acesso do surfe internacional (WQS). Antes de serem reconhecidos fora do país, eles eram um desses garotos. Não havia incentivo financeiro para aprender a dropar uma onda. Hoje os garotos crescidos vivem fora do Estado e alimentam o sonho destes meninos e meninas do Titanzinho, sobrevivem com o patrocínio de grandes empresas do surfe que, aos poucos, vão descobrindo e divulgando os jovens que vivem numa das regiões mais pobres de Fortaleza.

João Carlos Sobrinho, conhecido por todo mundo aqui como “Fera”, viu um dos “amigos de prancha” morrer em cima do asfalto por conta do tráfico. Daí para maquinar num caderninho como tirar essa juventude do crime foi um pulo, em 2 de fevereiro de 1995 criou a Escola Beneficente de Surfe Titãzinho.

No início as atividades eram simples e não havia muitas pranchas para a garotada entrar no mar e testar as manobras que treinavam na areia. Os humanistas e políticos de plantão também não tinham criado termos elegantes como “Responsabilidade Social”, sobretudo não havia a Secretaria da Juventude (Sejuv) para dar o modesto patrocínio de pranchas e pouco mais de R$ 300,00 mensais. Além do mais, naquele tempo surfar era coisa de malandro. “Muitas das pessoas daqui brincavam dizendo que eu era louco porque vivia agarrado toda hora escrevendo aulas de surfe num caderninho”, lembra João Carlos.

Se a falta de assistência social continua e o estereótipo do surfista incomoda, pelo menos alguma coisa mudou nos 12 anos da escolinha. Primeiro, João criou uma taxa de R$ 1,99 e abriu a escolinha para quem não mora no bairro, “é uma taxa simbólica que serve para estimular os alunos a freqüentarem mais as aulas”. Depois, vieram aulas teóricas sobre o surfe e reforço escolar, que funciona à noite com uma professora.

Quase tudo aqui ainda é voluntário, os exemplos de pobreza e superação são o estimulante para fazerem os alunos aprenderem a subir e surfar numa prancha em menos de 3 meses. “Você pega o exemplo de D. Luzenira, mãe do Fábio Silva. Hoje o rapaz vive no Rio, mas se você ver, D. Luzenira vive numa das piores regiões daqui. Quando chovia, eles tiravam a água dentro da casa e hoje melhorou as condições da casa, e aí, é quando comunidade vê isso que dá mais valor ao surfe”, conta Fera.

A realidade continua dura no Tintanzinho, quem olha de dentro do mar pra dentro da comunidade, num fim de tarde como este, encara uma paisagem de pobreza. É que a esperança dos 30 meninos e meninas da comunidade, que hoje estão aprendendo a surfar pela escolinha, está depositada, assim como a dos seus antepassados, no mar.

Marcelinho, que tem por volta de 8 anos, aproveita as aulas de educação física na areia para tirar brincadeiras com os outros e é só sorriso. “Vem cá, Fábio Gouveia!”, provoca quem se sente incomodado pelo “brincalhão”. O elogio de ter o jeito do surfista paraibano que virou filme e foi campeão mundial em 1998 não é por acaso. A cabeça de Marcelinho vai fugindo dos colegas, sorri muito com o apelido, vai virando sonho em forma de onda.

SERVIÇO:
Escola Beneficente de Surfe Titãzinho
Endereço: Rua Ponta Mar, 15
Vincente Pinzón
Fortaleza/ CE - Brasil

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