Era mais um sábado de surf. Praia lotada e a galera toda se espremendo no outside. Aninha estava lá mais uma vez com seu pai para surfar. Foi ele quem lhe apresentou ao mar e ao surf. Desde cedo aprendeu a ficar em pé na prancha e a descer as espumas na arrebentação. Hoje já faz quase 5 anos que ela surfa e ela está diante de um dilema que precisa resolver.
Desde cedo seu pai lhe colocou no outside. Com o cuidado de um pai ele sempre facilitou sua entrada no mar, o varar da arrebentação e até o impulso para entrar na onda. Ele sempre a ajudou e ajuda. Por um bom tempo Aninha sentiu nesse apoio a força para se desenvolver em outros aspectos só que, agora, ela precisava se desvencilhar daquela ajuda. Era hora de encarar por conta própria.
Ai estava o seu dilema. Como fazer para falar com o pai e passar aquele obstáculo? Como chegar para a pessoa que lhe ama tanto e que cuida do seu surf diariamente? Como conversar de uma forma que não machuque o sentimento de amor, cuidado e zelo visivelmente demonstrado? Essas eram as inquietações de Aninha naqueles dias.
No meio das suas amigas havia opiniões de todos os tipos. Umas diziam que não tinha como surfar sem aquela ajuda e que ela não encontraria tranqüilidade para surfar sem ser daquele jeito. Outras diziam que ela precisava o quanto antes deletar aquela ajuda em sua vida. Que precisava agir de forma enérgica mesmo que custasse romper sua relação com ele.
Em meio a tantas opiniões e formas de perceber aquela situação, Aninha ficava confusa, mas, ao mesmo tempo, sentia que possuía uma relação de amizade com seu pai que era muito mais forte do que qualquer posicionamento que tivesse em sua vida.
Ela ficou na expectativa de encontrar um momento oportuno para conversar com ele até que, um dia, esse momento surgiu. Ao terminar uma sessão de surf com ele, sentaram numa barraca para tomar um açaí. Era o momento que esperava. Compartilhar um lanche era um momento de intimidade onde a conversa poderia acontecer de forma natural.
Sem muita demora Aninha começou a conversar com ele sobre uma história que ouviu na escola:
- Pai, essa semana minha professora falou que a águia quando seus filhotes estão ficando maduros lança-os para fora do ninho lá do alto dos penhascos onde ele os constrói. Quando ela percebe que eles já estão ficando na fase de se virar sozinhos ela provoca essa situação para que eles amadureçam.
Sabe, eu estava pensando sobre nós dois. Sobre a nossa relação com o surf. Pai, sinto que está na hora de encarar meus desafios no mar sozinha. Apesar de algumas amigas dizerem que é loucura fazer isso eu percebo que é o mais correto a fazer nesse momento da minha vida. Não que eu goste de sua presença tão protetora. Não que seja ruim perceber que se algo acontecer você vai estar me livrando de tudo mas acredito que é hora de encarar meus desafios sozinha.
O pai, cheio de amor, olhou para Aninha e disse: Filha, você não imagina a alegria em ver você falando tudo isso aqui. Eu te amo muito e se até hoje estive tão pertinho de você é porque estava esperando esse seu momento. Muitas vezes, olhava você tão dependente de mim dentro do mar que ficava preocupado com sua dependência, mas algo dentro de mim dizia que esse momento chegaria e hoje me alegro muito com sua decisão. Jamais lhe abandonarei, sempre estarei por perto surfando com você. Não serei uma moleta onde você deixa de encarar seus desafios. Serei alguém que contempla sua vida, seu surf. Estarei todos os dias ao seu lado e onde você estiver minha presença estará contigo mas essa presença será algo que lhe motivará a seguir em frente e não a ficar acomodada esperando que faça por você.
Os dois se abraçaram e desde aquele dia Aninha e seu pai seguiu com o surf vivendo uma nova fase em suas vidas. Agora Aninha era quem decidia como surfaria. Era ela que teria que remar para a onda e encarar os caldos e a arrebentação. Aquela proteção tão necessária para seu amadurecimento agora estava presente em sua vida de outra forma. Agora seu pai estava junto vibrando e contemplando o desenvolvimento do seu surf e da sua vida.
Aninha agora estava dentro do mar como todos os outros colegas. Não se sentia mais privilegiada por ter um pai que lhe livrava das dificuldades do mar. Agora ela precisava encarar os desafios com suas próprias forças mas com o sentimento de amor e cuidado que seu pai havia transmitido na sua vida.
Por: Carlos Bezerra / Pena / Surfbeat
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